O desmonte da estatalidade brasileira no caso da política pública de saneamento e a falácia da regionalização como vetor de desenvolvimento regional
DOI:
https://doi.org/10.22296/2317-1529.rbeur.202212Palavras-chave:
Saneamento Básico, Privatização, Desenvolvimento Regional, BNDESResumo
A nova normativa do saneamento básico no Brasil, Lei nº 14.026/2020, abriu caminho para um modelo mais agressivo de inserção do capital privado no chamado “negócio do saneamento”, ao alterar a forma de organização do serviço nos estados, pela imposição da regionalização em blocos de municípios, e ao modificar as regras contratuais de concessão praticadas até então com as companhias estatais de água e esgoto. Neste ensaio, os autores analisam as alterações legais pelo viés da consideração preliminar de que, nesse setor, arranjos de poder multiescalares e multiníveis, visíveis ou não, suplantam os interesses locais e distorcem a realidade por meio de narrativas falaciosas. O problema de pesquisa é investigar se, de acordo com o novo marco, água e saneamento são considerados direitos humanos fundamentais ou simples serviços regulados, questionando a regionalização adotada como instrumento de promoção de desenvolvimento regional ou como mero pretexto para a privatização do setor. A opção metodológica abrange análises de tipo conjuntural, histórica, crítica e comparativa da realidade nacional, para verificar, ao fim e ao cabo, que a lei promove grave mudança na correlação de forças econômicas públicas e privadas no setor de saneamento, no âmbito dos estados federados, com impacto conceitual no papel do Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES), responsável pela modelagem do processo, que, sem problematização das consequências, como risco de aumento da tarifa, falta de acesso aos serviços pelas camadas mais vulneráveis da população e privatização ilegal de um monopólio natural em sua essência, se transforma de banco de fomento em leiloeiro facilitador da venda.
Downloads
Referências
ALOCHIO, L. H. A. Direito do saneamento. Campinas: Millennium, 2007.
ANA. Agência Nacional de Águas. Webinar ANA – O novo marco legal do saneamento. 3 jul. 2020. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Lamzmo2_1SQ&list=PLdDOTUuInCuzz4MwUVxy3dcZkUckrQocb&index=2. Acesso em: 3 jul. 2020.
BRASIL. Lei nº 24.643, de 10 de julho de 1934. Decreta o Código de Águas. Diário Oficial da União, Rio de Janeiro, 20 jul. 1934.
BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidente da República, [2016]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 20 jun. 2021.
BRASIL. Lei nº 9.427, de 26 de dezembro de 1996. Institui a Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL, disciplina o regime das concessões de serviços públicos de energia elétrica e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 27 dez. 1996. Republicado em 28 set. 1998.
BRASIL. Lei nº 9.433, de 8 de janeiro de 1997. Institui a Política Nacional de Recursos Hídricos, cria o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, regulamenta o inciso XIX do art. 21 da Constituição Federal, e altera o art. 1º da Lei nº 8.001, de 13 de março de 1990, que modificou a Lei nº 7.990, de 28 de dezembro de 1989. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 9 jan. 1997.
BRASIL. Lei nº 9.984, de 17 de julho de 2000. Dispõe sobre a criação da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), entidade federal de implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos, integrante do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos (Singreh) e responsável pela instituição de normas de referência para a regulação dos serviços públicos de saneamento básico. (Redação dada pela Lei nº 14.026, de 2020). Diário Oficial da União, Brasília, DF, 18 jul. 2000.
BRASIL. Lei nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007. Estabelece as diretrizes nacionais para o saneamento básico; cria o Comitê Interministerial de Saneamento Básico; altera as Leis nos 6.766, de 19 de dezembro de 1979, 8.666, de 21 de junho de 1993, e 8.987, de 13 de fevereiro de 1995; e revoga a Lei nº 6.528, de 11 de maio de 1978. (Redação pela Lei nº 14.026, de 2020). Diário Oficial da União, Brasília, DF, 8 jan. 2017. Retificado em 11 jan. 2017.
BRASIL. Decreto nº 8.141, de 20 de novembro de 2013. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 21 nov. 2013[a].
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.842. Rio de Janeiro. Ação direta de inconstitucionalidade. Instituição de região metropolitana e competência para saneamento básico. Rqete.: Partido Democrático Trabalhista (PDT). Intdo.: Governador do estado do Rio de Janeiro. Intdo.: Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro. Relatora: Min. Luiz Fux, 6 de março de 2013[b]. Lex: jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.
BRASIL. Conta de desenvolvimento energético: subsídios públicos ou cruzados? Boletim mensal sobre os subsídios da União. Edição 7. Brasília, DF: Secap: Ministério da Economia, abr. 2019. Disponível em: https://www.gov.br/economia/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/boletins/boletim-subsidios/arquivos/2019/boletim-cde.pdf. Acesso em: 6 jun. 2021.
BRASIL. Lei nº 14.026/2020, de 15 de julho de 2020. Atualiza o marco legal do saneamento básico e altera a Lei nº 9.984, de 17 de julho de 2000, para atribuir à Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) competência para editar normas de referência sobre o serviço de saneamento, a Lei nº 10.768, de 19 de novembro de 2003, para alterar o nome e as atribuições do cargo de Especialista em Recursos Hídricos, a Lei nº 11.107, de 6 de abril de 2005, para vedar a prestação por contrato de programa dos serviços públicos de que trata o art. 175 da Constituição Federal, a Lei nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007, para aprimorar as condições estruturais do saneamento básico no País, a Lei nº 12.305, de 2 de agosto de 2010, para tratar dos prazos para a disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos, a Lei nº 13.089, de 12 de janeiro de 2015 (Estatuto da Metrópole), para estender seu âmbito de aplicação às microrregiões, e a Lei nº 13.529, de 4 de dezembro de 2017, para autorizar a União a participar de fundo com a finalidade exclusiva de financiar serviços técnicos especializados. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 15 jul. 2020.
BRITTO, A. L. N. de P. Água e esgoto: uma privatização selvagem. OUTRAS PALAVRAS, 2019. Disponível em: https://outraspalavras.net/cidadesemtranse/agua-e-esgoto-uma-privatizacao-selvagem/. Acesso em: 27 jul. 2021.
CARRO, R. BNDES terá dois modelos para saneamento. Valor Econômico, 10 fev. 2020. Disponível em: https://valor.globo.com/brasil/noticia/2020/02/10/bndes-tera-dois-modelos-para-saneamento.ghtml. Acesso em: 15 jun. 2021.
CASTRO, J. E. Água e democracia na América Latina. Campina Grande: EDUEPB, 2016. E-book. Disponível em: https://books.scielo.org/id/tn4y9. Acesso em: 7 maio 2021.
CRUZ, F. P.; BRANCO, R. S. Estudo sobre os subsídios cruzados intermunicipais dos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário no estado do Rio de Janeiro. In: SIMPÓSIO DE GESTÃO AMBIENTAL E BIODIVERSIDADE, 8., 2019, Rio de Janeiro. Anais [...]. Rio de Janeiro: UFRRJ, 2019. Disponível em: http://itr.ufrrj.br/sigabi/anais. Acesso em: 1º ago. 2021.
CRUZ, K. A. da; RAMOS, F. S. Evidências de subsídio cruzado no setor de saneamento básico nacional e suas consequências. Nova Economia [online], v. 26, n. 2, p. 623-651, 2016. Disponível em: https://doi.org/10.1590/0103-6351/2544. Acesso em: 6 jun. 2021.
DI PIETRO, S. Z. Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Forense, 2014.
ELIAS, J. Privatizar é ideal? 884 serviços caros e ruins foram reestatizados no mundo. Universo Online. São Paulo. Disponível em: https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2019/03/07/tni-884-reestatizacoes-mundo.htm. Acesso em: 21 ago. 2021.
FURTADO, C. Desenvolvimento e subdesenvolvimento. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1961.
FURTADO, C. O mito do desenvolvimento econômico. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1974.
HELLER, L. (org.). Saneamento como política pública: um olhar a partir dos desafios do SUS. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2018.
KISHIMOTO, S.; PETIT, J. Reclaiming Public Services: How cities and citizens are turning back privatization. TNI: Amsterdam; Paris, 2017.
LAVILLE, S. Parts of England could run out of water within 20 years, warn MPs. The Guardian, July 10, 2020a. Disponível em: https://www.theguardian.com/environment/2020/jul/10/parts-of-england-could-run-out-of-water-within-20-years-warn-mps. Acesso em: 30 jul. 2021.
LAVILLE, S. England’s privatised water firms paid £57bn in dividends since 1991. The Guardian, July 1st, 2020b. Disponível em: https://www.theguardian.com/environment/2020/jul/01/england-privatised-water-firms-dividends-shareholders. Acesso em: 20 jul. 2021.
LAVILLE, S.; McINTYRE, N. Exclusive: water firms discharged raw sewage into England’s rivers 200,000 times in 2019. The Guardian, July 1st, 2020. Disponível em: https://www.theguardian.com/environment/2020/jul/01/water-firms-raw-sewage-england-rivers. Acesso em: 4 ago. 2021.
LORENZO, H. C. de. O setor elétrico brasileiro: passado e futuro. Perspectivas, São Paulo, 24-25, p. 147-170, 2002.
MURTHA, N. A; CASTRO, J. E; HELLER, L. Uma perspectiva histórica das primeiras políticas públicas de saneamento e de recursos hídricos no Brasil. Ambiente e Sociedade, São Paulo, v. XVIII, n. 3, p. 193-210, jul-set. 2015.
ONU. Organização das Nações Unidas. Direitos humanos e a privatização dos serviços de água e esgotamento sanitário. Relatório do relator especial sobre os direitos humanos à água potável e ao esgotamento sanitário. Assembleia Geral A/75/208, 21 jul. 2020.
SANTANA, A. S. de; KUWAJIMA, J. I., SANTOS, G. R. dos. Regulação e investimento no setor de saneamento no Brasil: trajetórias, desafios e incertezas. Brasília, DF: Ipea, 2020.
SANTOS, A. D. dos. Private means better? What happens when a Brazilian municipality changes to a private water and sanitation operator. 2020. Dissertação (Mestrado) – Escola de Economia da Fundação Getulio Vargas, São Paulo, 2020.
SARTI, F. ULTREMARE, F. Padrão de investimento e a estratégia financeira das grandes empresas regionais do setor de Água e Esgto (AE) no Brasil. In: HELLER, L. (org.). Saneamento como política pública: um olhar a partir dos desafios do SUS. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2018. p. 105-132.
SMIDERLE, J. J. Planasa e o novo marco legal do saneamento: semelhanças, diferenças e aprendizado. Rio de Janeiro: FGV: Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), 22 out. 2020. Disponível em: https://blogdoibre.fgv.br/posts/planasa-e-o-novo-marco-legal-do-saneamento-semelhancas-diferencas-e-aprendizado. Acesso em: 24 maio 2021.
WERNER, D.; HIRT, C. Neoliberalização dos serviços públicos: o papel do BNDES no saneamento básico pós-2000. Urbe. Revista Brasileira de Gestão Urbana, v. 13. 2021. Disponível em: https://periodicos.pucpr.br/index.php/Urbe/article/view/27583. Acesso em: 12 jun. 2021.
Downloads
Publicado
Como Citar
Edição
Seção
Licença
Este trabalho está licenciado sob uma licença Creative Commons Attribution 4.0 International License.
Autores/as que publicam nesta revista concordam com os seguintes termos:
1. Autores/as que publicam na RBEUR mantêm os direitos sobre a sua obra e concedem à revista o direito de primeira publicação, realizada sob a Licença Creative Commons Attribution que permite o compartilhamento do trabalho e assevera o reconhecimento da autoria e do veículo de publicação original, a RBEUR.
2. Autores/as têm liberdade para publicação e distribuição não-exclusiva da versão do trabalho publicada nesta revista (ex.: publicar em repositório institucional ou como capítulo de livro), reafirmando a autoria e o reconhecimento do veículo de publicação original, a RBEUR.